23.7.09

Tergiversa


"(…) e talvez seja isso que nos leve a ler romances e crônicas e a ver filmes, a busca da analogia, do símbolo, a busca do reconhecimento, não do conhecimento. Contar deforma, contar os fatos deforma os fatos e os tergiversa e quase os nega, tudo o que se conta passa a ser irreal e aproximado embora seja verídico, a verdade não depende de que as coisas tenham sido ou acontecido, mas de que permaneçam ocultas e sejam desconhecidas e não contadas, enquanto se relatam ou se manifestam ou se mostram, mesmo que seja no que parece mais real, na televisão ou no jornal, no que se chama realidade ou vida ou vida real até, passam a fazer parte da analogia e do símbolo, já não são fatos, mas se transformam em reconhecimento. A verdade nunca resplandece, como diz a fórmula, porque a única verdade é a que não se conhece nem se transmite, a que não se traduz em palavras nem imagens, a encoberta e não averiguada, e talvez por isso se conte tanto e se conte tudo, para que nunca tenha ocorrido nada, uma vez que se conta."

Javier Marías, Coração tão branco.

Nenhum comentário: