23.11.07

anotações de conversa entre quatro senhores no café aquários

- Em vez de chupar b. vem pra cá e fica aí...
- Cansou de chupar b., cansou de chupar b. Agora fica aí...
- Daqui a pouco vai tá chupando p.

Depois que se cansaram de tentar me constranger, ao perceber que eu os ignorava e permanecia de cabeça baixa escrevendo ou desenhando, começaram a discorrer sobre alguns assuntos.

- Sabe como é que eles dizem? "Sou negro, sou pobre, não roubo e quero uma contribuição."

- A minha sogra e o meu sogro foram no Guarany (...)
terminou o cinema e foi pra casa.

- Pô, companheiro, se chega um magrão com revolver, que é que tu vai fazer? (...)
- Dava um tiro neles lá de cima da sacada.

- Esse prefeito, o coronel da brigada (...) são uns merdas. (...)
- Quinze pila, vinte pila... num teatro chega a ser trinta pila. Querem trinta antecipado, depois o cara volta pra pegar o carro e o sujeito nem está mais lá.
- Lá no Gasômetro, onde está tendo aquela exposição da RBS, não tem nenhum flanelinha: os brigadas tudo a cavalo, tudo a cavalo.

- Baixa isso aí, ô sem vergonha!

- Uma menor de quinze anos foi colocada na cadeia junto com trinta caras no Pará.

- Queres uma carona?
- Não, não, obrigado. Vou de taxi, fiquem à vontade.

- Deficiente cardíaco.
- Agora botou um marcapasso.

- O João trabalhava no computador, não ia ao médico nunca, foi fazer exame: cheio de ponte de safena.

- Sabe a Dona Maria? A Dona Maria, aquela senhora que serve o cafezinho com o dedinho assim, sabe? Esses dias perguntei pra ela: "Dona Maria, você tem algum problema respiratório? Tu anda fumando todo dia, eu fico preocupado." "Não, senhor, eu não fumo." "Ah, mas a senhora passa todo o dia aí atrás do balcão levando fumaça dos outros na cara."

Nesse ponto eles passaram a falar dos malefícios do cigarro e de suas qualidades cancerígenas, apontando que as características genéticas de cada um podem influenciar positiva ou negativamente de acordo com a pré-disposição.

- É, Joaquim, então a problemática toda da nação tá aí.

21.11.07

Floppy Dreams


Fazendo arrumação no meu quarto, resolvi mexer nos disquetes velhos. Após separar os estragados, apagar velharias de outros, encontrei este todo preto, sem etiqueta, sem nada.

Botei no drive. Havia somente um arquivo: "sobre este disquete.txt".

Confesso que eu me orgulho de mim em momentos como esse. Uma pequena surpresa que eu preparei pra mim mesmo. Eu sabia que iria me esquecer e um belo dia reencontrar o disquete.

O texto foi escrito em 24/11/2006, exatamente há um ano atrás. Acho que Novembro me dá vontade de mexer em disquetes.

Eu me arrependo de ter me desfeito do meu Atari. Não era na verdade um Atari, era um CCE (Atari-compatível). Hoje em dia um Atari é coisa cult.

Por isso eu guardo essa pilha de disquetes, espero que um dia eles também sejam cult. Ou que eu pense em algo inusitado pra fazer com um monte de disquetes. Mas vamos ao texto:

Parabéns, voce achou o disquete premiado. Vai ganhar um.. um.. hã.. um virgula 44 MB. ;)

Falando sério:
Este disquete é novo e está bom. Este documento foi escrito dia 24/11/2006;
Disquete, no entanto, é tecnologia ultrapassada, por favor, não tem um pendrive?

Não durmo fazem 48hs. O que nos leva aos devaneios. Não dormir pode potencializar a criatividade. Não dormir provoca uma sensação estranha de ultra-realismo.

Como se tudo fosse mais perceptível, cada pequeno evento. A luz é mais forte os sons mais audíveis, as coisas mais ásperas, mais nítidas.

A comprovação deste fato se deu empiricamente quando eu me indagava se isto acontecia apenas comigo, até que um dia um amigo que ficou 2 dias sem dormir comentou comigo, sobre como dormir causava-lhe uma sensação de realidade exacerbada. A mesma sensação. Plim!

A vida parece um filme do Sean Penn no estilo 21 gramas, meninos e lobos e outros tantos hiper-realistas com alto contraste e câmera balançando, tomadas inteiras, etc.
No entanto nao são estas as características sentidas ao não dormir. São outras.

É difícil descrever mas tudo parece mais real, ou pelo menos eu estou agora mais a par da realidade e acompanhando todos os alfinetes que caem à minha volta - para citar o exemplo clichê de pequenos eventos que passam a ser perceptíveis. Não necessariamente alfinetes estão caindo à minha volta... (isso seria bem estranho).

Anyway, preciso dormir agora, gostaria de saber qual o próximo estágio que minha mente alcançaria se eu continuasse desperto. Talvez eu saísse da matrix, talvez eu tivesse insights geniais 'a nível de' teoria geral da relatividade. Mas se a mente passeia por novos perfis de interpretação, se chega - se é que chega - a perceber mais do que o comum, o corpo age em sentido contrário e fica debilitado. Maldito corpo. Bendito corpo.

Tenho sono e preciso dormir. Escrevi demais e não consegui chegar num ponto de reviravolta para usar uma frase que eu pretendo ainda usar em algum escrito quando a história chegar a de fato alguma reviravolta muito incrível.

Eu direi: "eu deveria agora saltar uma página, deixar uma linha em branco, escrever 'capítulo 2' ou qualquer outra coisa que pudesse representar a mudança radical dos fatos que descrevo". Algo assim, é engraçado, embora eu normalmente deteste referências diretas ao leitor. Quando uso é em ironia ao fato de fazer isso em si, mas detesto ainda mais é nos filmes, quando o ator olha pra câmera e diz alguma babaquice blá blá blá não é mesmo caro espectador? se eu pudesse responder eu mandaria o ator à puta que o pariu.

Preciso dormir. Um fato interessante são os espasmos corporais. o corpo treme, principalmente os músculos da face, a pálpebra e os lábios. mas ninguém vê, só o desperto.

Talvez a hiper-realidade seja uma conseqüência (longa vida ao trema!) da falta de fantasia e de surrealidade do mundo dos sonhos. Morpheus deve estar indignado pois estou 48hs atrasado para nosso encontro. Ok Sandman, here I go.

14.11.07

Tropa de Elite

Em termos de cinema, Cidade de Deus faz Tropa de Elite pedir pra sair.

Tropa de Elite é um filme forte e explícito. Assim como o são, quaisquer filmes amadores feitos com celulares que mostrem algum tipo de flagrante grotesco e violento. Mas isso não quer dizer que esses vídeos sejam "bons filmes" ou belas obras cinematográficas.

Com Tropa de Elite há uma grande confusão entre ser um filme marcante e ser um ótimo filme; tem muita gente por aí achando que esse é o melhor filme nacional dos últimos tempos.

Tropa de Elite, como obra cinematográfica, é apenas razoável. Deixa a desejar em diversos aspectos. E um bom filme é, afinal, o conjunto de diversos aspectos.

Tropa não apresenta nada de inovador ou surpreendente para a linguagem do cinema: o roteiro é simples, a história é linear e óbvia, a perspectiva sobre o tema das drogas é maniqueísta e superficial.

Os recursos cinematográficos como direção de arte, montagem das cenas, enquadramentos e trilha sonora são meramente tradicionais. A trilha sonora, melhor dizendo, é ruim e mal utilizada.

"Cidinho e Doca", ainda é engraçado em sua precariedade, mas "Tijuana" beira a cafonice. Também não lembro da trilha sonora fazendo o complemento perfeito para alguma cena específica do filme.

O que sobra, então, para o sucesso de Tropa de Elite?

Além das repetitivas e gratuitas cenas de violência, que encontram respaldo na curiosidade mórbida do público, sobra o personagem principal, o anti-herói Capitão Nascimento. Com a ótima atuação de Wagner Moura, temos um personagem invencível (que não leva nenhum tiro, nunca), caricatural, exagerado e folclórico, cheio de jargões a serem histericamente repetidos pelo papagaio verde e amarelo (atende pelo nome de povo).

Para fazer uma comparação fácil, pense em Cidade de Deus. Este sim, um filme que retrata a mesma realidade, mas com um roteiro complexo, riqueza de personagens (com a perspectiva narrativa a partir de um personagem lateral e de sua trajetória particular), montagem não-linear e boa aplicação da trilha sonora. CDD faz Tropa de Elite pedir pra sair.

O que fica mesmo não é o filme, mas o personagem. Capitão Nascimento daria um ótimo personagem para uma mini-série em quadrinhos, algum tipo de Sin City brasileira, em um clima sambanoir onde o que importa são as breves aventuras recheadas de sexo, drogas, violência e presença de espírito nas frases clássicas do anti-herói. Sem nenhum compromisso em apresentar algum tipo de visão crítica e política, puro entertaining.

Talvez esse tenha sido justamente o erro do filme. Quis ser crítico e inteligente, mas desistiu, deixando um personagem promissor perdido em um clima de quero-ser-documentário. Não se tirou proveito de uma coisa nem de outra.

Um dia alguém disse que o cinema brasileiro vai ficar bom mesmo é quando ele deixar de querer parecer brasileiro. Não sei quem foi, mas concordo.