13.3.06

A Caixinha Verde (versão reduzida)

O domingo começou às 10 da manhã, com cheiro de margarina.

A primeira lágrima quase escorria quando a mão de Marcos, mais por ímpeto do que certeza, batia três vezes à porta.

A lágrima volta, Regina põe óculos escuros.

-Oi.
-Oi. Vim buscar o resto das coisas.
-Estão ali na caixa, eu já separei.

Regina volta fisicamente à leitura, Marcos demorava.

-A caixinha verde não está aqui.
-Que caixinha?
-Aquela verde.
-Acho que está no quarto.

Marcos entrou atrás dela. Alguém achou a caixinha verde e no mesmo instante estão no chão, ou na cama. Sexo, como nunca. Como o último. Como um novo primeiro.

Segunda-feira Marcos não foi trabalhar. Regina acordou pela tarde.

7.3.06

who do you know?


Fotos de pessoas em produtos que somos obrigados a ver constantemente. Essa é talvez a primeira forma de publicidade que eu aprendi a odiar. Eu, com 8, 9 anos, tendo que abrir o armário de brinquedos e olhar sempre para as mesmas caras daquelas criancinhas estampadas nas caixas dos jogos. Um menininho e uma menininha com uma roupinha meio cafona, brincando com um sorriso amarelo. À primeira vista é estranho, depois de um tempo enjoa e, finalmente, torna-se bizarro.
O rosto do autor desconhecido na lombada de um livro ruim, a foto da mulher na capa de um CD-ROM gratuito sobre psiquiatria, sempre ali, bem na frente dos outros, sobre a bancada do computador da minha mãe. Me olhando toda vez que eu preciso usar a impressora: annoying (gosto do som dessa palavra, combina com o significado).
O bizarro assim-o-é por que somos obrigados a conviver e se acostumar e encarar, over and over, uma pessoa completamente estranha, mas que, inevitavelmente, se torna familiar, por insistência. E esse familiar e desconhecido simultâneo é o ponto bizarro.
Fotos são apenas fotos, papéis. Mas papéis com imagens, e toda imagem comunica. E toda foto de figura humana troca, de alguma forma, olhares com quem as vê. Fotos que estão sempre ali se tornam íntimas. Na verdade nós é que nos tornamos íntimos das fotos. Mas desde que há uma pessoa ali estampada, a sensação de que ela também é íntima conosco, é inevitável. Uma certa cumplicidade, confidência, é trocada com a foto que esta sempre ali. Isso é o que torna tão emotivo e interessante ter fotos de entes queridos espalhadas pela casa. A sensação de que eles estão ali, por perto, convivendo conosco.
Mas torna-se intimidador quando é a cara de um completo desconhecido te olhando todo dia. Imagine então para uma criança, que dá de cara com outras duas toda vez que abre o armário. Eventualmente acaba-se odiando-as. Aquelas criancinhas chatas que eu não sei quem são, me olhando com aquele mesmo sorriso amarelo toda a santa vez que eu abro meu armário pra escolher um joguinho.
Desenhar sobre as fotos, rabiscar bigodes e pintar os dentes da frente, ridicularizá-los, acaba sendo inevitável. Torna o convívio mais fácil. Mais cedo ou mais tarde esta é a vingança artística a que recorre toda a criança que gosta de desenhar (e todas as crianças gostam de desenhar, até o dia que alguém diz pra elas pararem para crescer - e morrer, eu diria).
E aí, toda vez que se abre o armário, o incômodo some. Ei, não sou eu que sou obrigado a ficar aí parado com esse sorriso ridículo e a cara toda rabiscada. By the way, hoje eu vou de batalha naval. Vejo vocês mais tarde, amiguinhos (porque o meu batalha naval tinha fotos de navios em guerra e não de criancinhas jogando). ;D