3.5.06

De repente violento.

Era uma vez Jeff, um experiente programador de softwares. Ele estava em seu local de trabalho, em frente ao seu computador pessoal cuja tela apresentava uma absurda quantidade de informação. Desktop apinhado de ícones e caixas de texto contendo linhas e linhas de palavras e caracteres bizarros, típicos da sua linguagem de programação. Escutava nos fones os primeiros compassos do último jazz que sua namorada virtual lhe enviara segundos atrás.

Embora seu ambiente permanecesse indiferente às modificações do tempo e do clima, lá fora a noite era de vento e chuva, era uma noite fria. Mas o minúsculo escritório continuava iluminado pela tela do monitor e aquecido pela presença do homem e da máquina. Dedos e olhos frenéticos tamborilavam e capturavam imagens respectivamente. Jeff se comunicava, Jeff trabalhava.

Num de repente violento (tão violento quanto a aristotélica negação do interstício existente entre as palavras deste texto) toda a realidade de Jeff se transforma em algo muito próximo do zero, em algo muito próximo do nada. No tempo de um corte seco de cinema, uma força qualquer lhe tira tudo. [volta a luz mas eu não vou acender] Há sensação de perda e de incapacidade,

Pois tudo se perde no instante do corte.
Do corte o instante que põe tudo a perder.
É brutal a perda no instante de tudo. Corta!
No instante do corte se perde realmente Tudo.

O que se passa a seguir é tão interessante quanto isso.
O vazio é preenchido de escuridão e de silêncio.

Tudo agora é preto.
Tudo agora é silêncio.
Tudo agora é só preto e silêncio.
Antagoniza-se ao extremo a luz e a comunicação dos momentos precedentes.

Jeff reage de forma passiva e analítica a esta brutal metamorfose. Cala-se, cala sua mente, cala seus dedos. Um pouco por espanto, um pouco por apego à luz, abre bem os olhos. Não se move. [A mãe acorda, vem até a sala e acende a luz. Eu apago as velas. O cheiro da fumaça do sebo me consola. Penso no longuíssimo intervalo – tão longo quanto for a intensidade da vontade pela imediatez – entre o fato experimentado e a sua transcrição em uma folha de papel; entre o acontecimento da idéia de uma história na mente e o armazenamento dessa história em alguma mídia. Há tantas modificações. A própria escrita já deforma. Sem falar nas possibilidades de “pós-produção”, aparo, pontuação etc. Agora só quero falar que em um momento eu só quis contar a história de alguém que teve vontade de escrever no papel, a luz de velas, uma história parecida com a dele onde o momento chave (o ápice, a reviravolta, o escambau...) é um blackout geral no quarteirão. O texto já está (quase) todo digitado mesmo.]

Um comentário:

HumptyDumpty disse...

Relatividade Cega
O vazio então toma forma de preenchimento e o escuro é de veludo negro. Veludo negro aconchegante sensual perigoso e o mundo é um grande vidro de nankin. Jeff é tudo e nada pois é forma indistinguível mergulhada no nankin do mundo. Jeff é, naquele segundo de blackout, blackover, blackall, blackever. Tudo É. Jeff É. O vazio É. Um mesmo líquido. Nankin de veludo. O então nada torna-se tudo denso e os olhos de jeff sentem o escuro penetrar forte como a luz outrora penetrava, fumaça táctil de possibilidades. O olho é que vai a busca da imagem, não mais a imagem vem ao olho.
O Blackout dura 3 segundos. Mas Jeff fecha as janelas, apaga as luzes e as velas, não liga mais o computador. A cidade inteira move-se em velocidades e direções, cada uma delas medida em metros, quilometros por hora ou megabytes por segundo. E a cada qual corresponde uma luz que passa cortando o vazio como a ponta de uma agulha sem agulha. Só o finco. Led. Risco. Luz. Verde. Vermelho. Amarelo. bip. fuoom. foosh. zzzsssum.
Jeff é o seu escritório que é no mundo agora (mundo onde não existe o agora)um recipiente cubo bloco preto negro recheado de volume buraco. Um buraco negro no meio da cidade pisca-pisca. Um pause.
Jeff permanece sentado em seu lugar, imóvel, no escuro, por duas horas. Depois, acende a Luz. O mundo teve uma pausa de dois segundos. Jeff esticou a pausa. Mas só esteve fora por dois segundos, que para Jeff, duraram duas horas.