7.3.06

who do you know?


Fotos de pessoas em produtos que somos obrigados a ver constantemente. Essa é talvez a primeira forma de publicidade que eu aprendi a odiar. Eu, com 8, 9 anos, tendo que abrir o armário de brinquedos e olhar sempre para as mesmas caras daquelas criancinhas estampadas nas caixas dos jogos. Um menininho e uma menininha com uma roupinha meio cafona, brincando com um sorriso amarelo. À primeira vista é estranho, depois de um tempo enjoa e, finalmente, torna-se bizarro.
O rosto do autor desconhecido na lombada de um livro ruim, a foto da mulher na capa de um CD-ROM gratuito sobre psiquiatria, sempre ali, bem na frente dos outros, sobre a bancada do computador da minha mãe. Me olhando toda vez que eu preciso usar a impressora: annoying (gosto do som dessa palavra, combina com o significado).
O bizarro assim-o-é por que somos obrigados a conviver e se acostumar e encarar, over and over, uma pessoa completamente estranha, mas que, inevitavelmente, se torna familiar, por insistência. E esse familiar e desconhecido simultâneo é o ponto bizarro.
Fotos são apenas fotos, papéis. Mas papéis com imagens, e toda imagem comunica. E toda foto de figura humana troca, de alguma forma, olhares com quem as vê. Fotos que estão sempre ali se tornam íntimas. Na verdade nós é que nos tornamos íntimos das fotos. Mas desde que há uma pessoa ali estampada, a sensação de que ela também é íntima conosco, é inevitável. Uma certa cumplicidade, confidência, é trocada com a foto que esta sempre ali. Isso é o que torna tão emotivo e interessante ter fotos de entes queridos espalhadas pela casa. A sensação de que eles estão ali, por perto, convivendo conosco.
Mas torna-se intimidador quando é a cara de um completo desconhecido te olhando todo dia. Imagine então para uma criança, que dá de cara com outras duas toda vez que abre o armário. Eventualmente acaba-se odiando-as. Aquelas criancinhas chatas que eu não sei quem são, me olhando com aquele mesmo sorriso amarelo toda a santa vez que eu abro meu armário pra escolher um joguinho.
Desenhar sobre as fotos, rabiscar bigodes e pintar os dentes da frente, ridicularizá-los, acaba sendo inevitável. Torna o convívio mais fácil. Mais cedo ou mais tarde esta é a vingança artística a que recorre toda a criança que gosta de desenhar (e todas as crianças gostam de desenhar, até o dia que alguém diz pra elas pararem para crescer - e morrer, eu diria).
E aí, toda vez que se abre o armário, o incômodo some. Ei, não sou eu que sou obrigado a ficar aí parado com esse sorriso ridículo e a cara toda rabiscada. By the way, hoje eu vou de batalha naval. Vejo vocês mais tarde, amiguinhos (porque o meu batalha naval tinha fotos de navios em guerra e não de criancinhas jogando). ;D

3 comentários:

HumptyDumpty disse...

Assim-o-é (Azzimmohed), personagem bíblico, da família de Ivanhoé, Evoé, Salomé, e Maomé. Não, Maomé não. Desculpem. Não apedrejem a minha casa.

Fabrício Marcon disse...

Salomê, Salomê... yo no te creo Salomê, como el vive como el viento no te creo Salomê.

Rabiscar as fotos é como dizer: não é você quem me vê, não é você quem me domina; mas eu sou quem domino você, sou eu o senhor do tempo e das ações, sou eu quem te observo e quem te retifica sob o meu olhar. Uma espécie de auto-defesa.

Anônimo disse...

será que alguém desenhou bigodes ou chifrinhos naquele teu cartaz que andava rolando por ae, sobre algum vestibular ou coisa do tipo?

agora, pára pra pensar que tu, como prévio modelo fotográfico, já foi considerado um 'rosto estranho da caixinha' para alguém, provavelmente, em alguma parede de universidade por aí.

alguém que todo dia, chegando atrasado em aula, olhava pra tua foto e dizia - 'fala, bebeto. é, atrasado de novo'.

ou que, nos intervalos, ao te ver, comentasse com algum amigo: 'cara, do que que esse infeliz tá rindo todo dia aqui?'.

ou, ainda, alguém mais espirituoso que nas eventuais passadas pelo corredor soltasse um 'parla!' pro teu cartaz pelo meio do caminho, entre risadinhas dos colegas.


bacana é pensar que tu se olha no espelho e diz 'mas esse rosto não o de é estranho. sou eu, o guilherme. eu me conheço. ôi.'

tu te conhece. entende?

alguém também deve conhecer os rostos das embalagens.

ah, a relatividade das cousas.