O Brasil é um país de muita cultura. Como nação, nossa missão diária é manter vivas as tradições culturais da Grécia Antiga.
Nossas caóticas cidades grandes são a exacerbação da pólis. Daí, a política, atividade tão intensa e sempre em evidente no dia a dia do brasileiro. Aqui a política não é omissa, nem discreta, longe disso. Ela é ativa, sempre notícia, sempre notada, sempre comentada e criticada.
A crítica. Que povo tem mais senso crítico do que o brasileiro? Crítica, do grego kritikos. "A capacidade de julgar, de discernir, de escolher". Ah, nós sabemos discernir e escolher. Na aparente simplicidade de Lula, nós, críticos brasileiros, o escolhemos, porque discernimos sua verdadeira aptidão política escondida sob sua face humilde.
Kritikos. No latim, crisis, que também significa crise.
A relação é íntima entre crise e crítica, já que a crise é "o momento crucial, decisivo, de mudança". E a crítica é "o poder de decidir, eleger, escolher, distinguir".
Crise, palavrinha tão presente no nosso cenário político. Digo cenário, não por acaso, pois crisis nos remete também ao teatro clássico, mais precisamente "o ponto em um drama onde o conflito atinge seu pico, antes de ser resolvido".
Quanta riqueza cultural emana da crise política e do drama da realidade brasileira. Não é surpresa que os plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal tenham a forma de um anfiteatro. Ali são realizadas as grandes dramatizações, são prolongadas as crises, para empolgação da platéia.
O que nos remete à bela arte da atuação teatral, chamada na antiga Grécia de hupokrisis. No Latim, hypocrisis. Em português, hipocrisia.
Tudo gira em torno da crisis. Seja ela a crise ou a crítica. Da crítica se espera o discernimento para solucionar a crise. Com o prefixo hypo (abaixo de, falta de), não há crítica ou discernimento, somente atuação dramática perfeita, o fingimento (do inglês, to pretend), a pretensão dos políticos.
Antes de criticar e culpar os políticos pela crise brasileira, pense duas vezes: a crise é boa, e necessária! Depois reclamam que o governo não investe em cultura.
Lembra-te da Grécia, lembra-te das grandes tragédias, dos anfiteatros.
Agradece aos que elegeste por tanto investimento em cultura, pelo magnífico espetáculo da tragicomédia brasileira que nos é eterna e incansavelmente apresentado.
Toca o hino da seleção, digo, da nação! E uma salva de palmas, por favor!
2.7.07
A etimologia da crise
26.6.07
Quem é Paulo?
Recebi por e-mail uma apresentação de nada menos que 48 slides com dicas de segurança urbana. Uma das dicas dizia para manter 20 metros de distância de suspeitos na rua. Outra, transcrevo:
"Gritar o nome de alguém, "Paulo", é a melhor opção. O bandido ficará com medo. Quem é paulo? um amigo? um policial? um cão feroz?".
Daí, surgiu a brincadeira, ou poesia:
quem é paulo?
um amigo?
um policial?
um cão feroz?
quem é paulo?
quem?
paulo?
que paulo?
paulo paulada?
quem é paulo?
um cão feroz?
quão feroz?
um policial?
quão policial?
cão policial?
ou pedro-paulo?
paulo mole ou paulo duro?
quem é paulo?
paulo?
que paulo?
paulo é amigo?
ou inimigo?
paulo comigo?
devo andar a 20 metros de distância de paulo?
25.6.07
Rocky Balboa
O problema que um filme como Rocky Balboa enfrenta é básico: apresentar uma história que justifique esperar o filme inteiro quando tudo o que realmente importa é a hora da luta.
Isto é, por se tratar de um filme de Rocky, é evidente que haverá uma luta e que a mesma será ponto convergente de todo o filme. De cara o filme abre o jogo e apresenta o seu argumento.
Logo no início sabemos quem será o oponente de Rocky e a desculpa para que a luta aconteça. A partir daí é muito difícil evitar que o espectador pense "ok, vamos logo para a luta".
Mas realmente seria idiota se o Rocky fosse um personagem tão automático e clichê que sairia lutando sem mais nem menos depois de velho. Então o filme busca uma justificativa plausível para que Rocky aceite encarar um último desafio como boxeador. Nesta justificativa o filme quase se perde em monotonia. Quase. Construída com muito cuidado e delicadeza, a primeira parte do filme dá profundidade ao personagem de Stallone, mostrando sua vida social, familiar e amorosa, e os motivos pessoais que o levam a decidir lutar.
Em resumo, Rocky é meio perturbado com a morte da mulher, tem alguma raiva enrustida que ele precisa botar pra fora e, pra isso, nada melhor do que espancar alguém e ser idolatrado por isso. Então, uma luta viria a calhar. É um resumo mesmo, porque o filme apresenta isso de forma mais humana, abusando de um clima de solidão e tristeza, fazendo uma metáfora com o cãozinho do canil, um animal preso pronto para ser libertado.
Não dá para dizer que é um ótimo argumento. Mas temos que considerar que o filme não é um drama, e vendo por este lado, tem seu mérito por ter ousado extender e aprofundar-se neste aspecto bem mais do que o esperado. Creio que a medida foi ousada mas cuidadosa.
Depois disso, o filme muda, e dá aquilo que afinal todos esperam de Rocky Balboa. Não é para filosofar, chorar, pensar. É entretenimento, para encher os olhos. Uma experiência emocionante que constrói a expectativa e a adrenalina no público, que inevitavelmente vai torcer pelo Rocky e no clímax vai dar socos no ar como se lutasse junto.
Verdade seja dita, Rocky é isso, tem que ser isso, não pode ser outra coisa.
Então o dramalhão é deixado de lado e a expectativa começa a ser trabalhada. Para isso, nada melhor do que uma boa e nostálgica seqüência de treinamento: Rocky levantando pesos. Rocky correndo na neve. Rocky socando pedaços de carne no frigorífico! Mais clássico que isso, só aquela musiquinha filha da puta que, sem erro, bota qualquer um no clima: Gonna Fly Now.
O legal aqui é que o Rocky agora é tipo um Wolverine, um velhão duro na queda. Sem velocidade e com problemas nas juntas, Rocky treina força. Apenas força. A tática não podia ser mais tosca, nem mais satisfatória: não tem tática. Nada de esquivas ou truques técnicos. Apenas socos fortes, muito fortes, tijoladas. Para que cada uma que o oponente levar seja "como se ele tentasse beijar o trem expresso". :D
Pronto, depois disso, direto para o ringue, sem delongas. Um rápido beijinho na mulher da história só pra dizer ao público "sim, eles ficaram, mas não vamos perder tempo com isso".
A sequência da luta me surpreendeu. A edição ficou excelente. Bebe direto na fonte de Sin City, abusando do preto-e-branco com detalhes coloridos. As vezes o sangue vermelho, as vezes as partes amarelas do uniforme. Rocky cai, será que é o fim? ele vai levantar? Rocky fala consigo mesmo: "Get up! You can do it. Get up!" Em preto e branco, a cena é quase uma releitura do Hartigan de Sin City (Bruce Willis), resistindo com a corda no pescoço: "You can do it, old man. Stay Conscious".
O som, os cortes, os ângulos, as cores. Nota 10 para a edição de arte nessa parte do filme.
O final me deixou dividido, a princípio. Foi uma jogada arriscada. Criaram a nostalgia, a expectativa, elevaram a adrenalina, esbofetearam o público com cenas lindas, e deram um jeito de satisfazer a expectativa sem cair no clichê.
O clichê seria Rocky juntar forças e nocautear o oponente no finalzinho. Mas ele perde a luta e ao mesmo tempo sai com jeito de vencedor.
Tive que ver o filme duas vezes pra decidir o que pensar disso.
Na primeira vez, ficou aquela frustraçãozinha no fundo, de querer a vitória completa, afinal eu torci pelo Rocky, quem é que não torce? ainda mais com a musiquinha, getting strong now...
Mas a ficha caiu na segunda vez quando eu percebi a jogada. A segunda assistida é sempre mais analítica. O oponente da vez é o cara que nunca perdeu uma luta, e mesmo assim não tem o prestígio do público. Rocky, em contrapartida, é o herói do povo, ele perde, mas ganha a torcida. "Não é o quanto se bate, mas o quanto se consegue suportar e seguir em frente". O argumento fechou.
Está longe de ser um grande clássico, mas considerando as limitações intrínsecas de roteiro para um filme desses, o resultado ficou excelente, o velho clichê deixou de ser tão óbvio e gratuito e ainda ganhou (um pouco de) conteúdo e estética. É um desfecho de respeito para a saga de Stallone como Rocky Balboa.
14.6.07
Polícia e Ladrão
John Marone o policial infalível sai de trás do carro capotado, de arma em punho.
Jack Ferrugem não tem para onde fugir.
Marone dispara cinco vezes.
PAU! PAU! PA-PA-PAU!
Ferrugem põe em prática sua técnica ninja de ziguezaguear o corpo na velocidade da luz, antes de saltar para trás de um tonel em chamas.
Marone comemora a vitória.
Ferrugem levanta-se e revida. TRRRRRÁ TRRRRRÁ.
- Você está morto Ferrugem, acertei você na cabeça.
- Não mesmo, eu desviei.
- Desviou nada! Não dá pra desviar.
- Dá sim. Ó. (zap, zup. zipzimzapzum). Na velocidade da luz né.
- Não vale!
- Vale sim!
- Manhêêê né que não dá pra desviar do tiro?
(silêncio)
- MÂ-NHÊ!!! ...ah não brinco mais.