6.4.09

Redinaldo

Redinaldo corria como uma garça feliz todo dia na favela da cabrita.
Descia o morro com pernas finas e ossudas, pés no chão, calçãozinho de futebol e sem camisa, as costelas aparecendo e um gogó proeminente.

Sempre um sorriso no rosto. Dentes grandes e perfeitos, cavalares, brotando pra fora de uma cara ossuda e olhos arregalados.

Redinaldo parecia um corredor da Etiópia. O sorriso de Redinaldo escondia algum sofrimento muito grande. Não que isso fosse óbvio. Era um sorriso, afinal.
"Lá vai o Redinaldo!" Todo mundo gostava dele. Pagava sempre amanhã no bar da esquina. Era amigo de todos. "Esse negrinho é gente boa".

Ninguém sabia na verdade de onde ele vinha, nem para onde ele ia. Redinaldo passava sempre correndo de pé no chão.

Com um pedaço de meia calça na cabeça e um saco plástico na mão, Redinaldo invadiu o bar do seu Zé em plena manhã de terça-feira e mandou esvaziar o dinheiro do caixa dentro da sacola.

Sem camisa e com o mesmo calção de sempre, o disfarce de Redinaldo era patético. Seu zé achou que era brincadeira, Redinaldo, afinal, sorria. Redinaldo não falava muito. Ele apontava e corria. Aquele dia ele falou "À puta que te pariu, Zé!".

De dentro da sacola Redinaldo saca uma submetralhadora uzi e dispara milhares de tiros contra o rosto do seu Zé. O sorriso sempre no rosto. Os ossos, os olhos.

Correu como uma gazela sem levar o dinheiro. A história grotesca espalhou-se com detalhes ocasionais até chegar aos ouvidos de Dão, ou Nego Dão, o traficante que controlava a Cabrita.

Frente à frente com Dão o sorriso de Redinaldo fez crer uma tranqüilidade de malandro. Mas Redinaldo era um dadaísmo de Deus.

"À puta que te pariu, Dão", respondeu Redinaldo do alto de seu corpo esquelético. Dão e seus amigos gargalhavam.
"Foi isso que tu disse pro zé?"
"À puta que te pariu, Dão", repetiu Redinaldo e Nego Dão achou seus olhos mais arregalados e seu sorriso mais doentio do que o comum, e mal teve tempo de perceber que Redinaldo havia realmente mandado-lhe à puta que pariu, gargalhando em silêncio enquanto puxava o pino das granadas sobre a mesa, uma a uma.

Na explosão daquele dia morreu polícia, cachorro, galinha, traficante, mãe de família e o próprio Redinaldo, uma figura incompreendida graças ao seu peculiar sorriso.

Um maluco, um herói, uma incógnita, um negrinho-bom-que-foi-usado-por-gente-má, o diabo na terra, um santo de umbanda, variavam as opiniões: Era o sorriso que não deixava certeza de nada.

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